Liberdade é a meta final de todo o processo de yoga.
Em geral, pensamos a liberdade de maneira leviana, achando que se trata da possibilidade de fazer o que queremos, o que nos “der na telha”. Essa é uma noção falsa de liberdade, porque o sujeito que quer realizar todos os desejos que passam pela sua cabeça está completamente subjugado por suas fantasias, seus sentidos e seus processos mentais mais superficiais, e pode ser considerado tão livre quanto um escravo, com o agravante que, no seu caso, o agente opressor é a sua própria mente.
Ser livre enquanto indivíduo é ser capaz de decidir algo levando em conta todas as opções conhecidas e fazendo uma escolha que se considera a melhor possível, sem estar sendo constrangido a agir de outra forma por fatores externos.
É interessante investigarmos aqui o que são considerados ‘fatores externos’. Uma pessoa com um revolver apontado para a minha cabeça ordenando que eu faça algo é obviamente um fator externo, mas não é sobre isso que o Yoga está falando. Aquilo que tem propriamente a capacidade de decidir é chamado no Yoga de intelecto, buddhi, a faculdade capaz de discernir as coisas, entender valores e iniciar uma ação. Tudo aquilo que em uma pessoa está subordinado ao intelecto é chamado de fator externo, o que inclui a mente, manas, com as suas impressões de experiências passadas na forma de gostos e aversões e os cinco sentidos.
Quando, por exemplo, eu (intelecto) decido que não vou comer chocolate de noite por razões pessoais de saúde mas, não obstante, o olho vê o chocolate em cima da mesa, a mente traz a memória da satisfação do chocolate, a boca saliva e a mão agarra o chocolate e o coloca na boca – todo esse processo não foi feito propriamente por mim mesmo, mas apesar de mim mesmo. Eu fui como que coagido por fatores externos, e por isso a minha ação não foi uma expressão de liberdade, mas a manifestação de um processo praticamente mecânico de gosto e aversão.
Uma ação livre só é factível se houver para o sujeito certa liberdade com relação aos seus próprios gostos e aversões. Gostos e aversões são tendências mentais que são os resquícios inevitáveis das experiência de prazer e dor. Sempre que algo é experimentado como bom e agradável uma tendência de buscar novamente aquela experiência e os meios que a produziram fica gravada na mente, o que então constitui um gosto. Ao contrário, sempre que algo é experimentado como ruim, desagradável ou doloroso, uma tendência de evitar aquela experiência e os meios que a produziram fica gravada na mente, o que então constitui uma aversão.
Segundo o Yoga, uma ação só é livre quando não está sendo determinada exclusivamente pelos gostos e aversões do sujeito.
O intelecto deve poder avaliar os gostos e aversões à luz de coisas mais importantes como, por exemplo, princípios pessoais de integridade, responsabilidade, etc., e então decidir se a satisfação daqueles gostos e aversões imediatos comprometerão ou não a observação desses princípios.
Caso não comprometam, então é claro que a escolha será de acordo
com o gosto ou aversão, por que não seria?
Essa integridade pessoal, contudo, é bastante difícil de ser seguida, porque com relação a algumas situações da nossa vida os nossos gostos e aversões sequer são evidentes para nós e, agindo de modo subconsciente, tornam-se simplesmente fortes demais. É realmente muito comum fazermos coisas contrárias ao que faríamos livremente, pressionados por impulsos que não fazem nenhum sentido se analisados racionalmente.
Quantas vezes não somos coagidos a aceitar algum convite ou fazer alguma coisa que não estamos realmente dispostos a fazer apenas por uma necessidade de agradar a outra pessoa e garantir que ela goste de nós, como se tivéssemos qualquer responsabilidade com relação ao bem-estar da pessoa ou, pior ainda, como se o nosso ‘não’ fosse fazer ela deixar de gostar de nós.
Essa são crenças errôneas, fantasias nascidas dos nossos gostos e aversões formados provavelmente na primeira infância, quando vimos nossos pais irritados ou tristes e concluímos que tínhamos os desapontado por alguma coisa que fizemos, ou algo do tipo.
Assim, é difícil realizarmos uma ação realmente deliberada, livre, porque não conhecemos os mecanismos dos nossos gostos e aversões. E, mesmo quando os conhecemos, ainda assim a força deles é tão grande que podemos sucumbir diante deles e acabar fazendo algo que não queríamos ou não devíamos, o que inevitavelmente nos deixa com sentimentos de culpa, raiva e frustração, que em geral só reforçam os mesmos mecanismos que os geraram.
Uma vida de Yoga é uma vida que visa uma liberdade relativa com relação aos gostos e aversões e, por isso, é uma vida de disciplina.
É preciso em primeiro lugar estarmos atentos no nosso dia-a-dia para percebermos esses mecanismos automáticos de reação ao mundo, que frequentemente agem contra a nossa felicidade.
Esse é um motivo pelo qual a prática de asana e pranayama é bastante necessária, principalmente no começo, pois nos proporciona calma, bem-estar e sutileza mental necessários para conseguirmos nos perceber no meio das situações concretas em que nos encontramos a cada momento.
Uma vez conhecidos os principais padrões de reação é necessário começar a agir de forma oposta, o que demanda muita coragem e determinação, pois é muito difícil ir contra padrões tão estabelecidos e com as quais temos uma forte ligação emocional.
A nossa sorte é que a satisfação de poder agir sem ser coagido por noções irreais e fantasias é tão grande que começamos a tomar gosto por essa prática, e então todo o processo deixa de ser um suplício e vai ficando cada vez mais fácil.
Até que o novo comportamento se torne ele mesmo um “padrão natural”, e então não precisamos mais fazer esforços para sermos nós mesmos. Nesse momento, podemos dizer que estamos agindo livremente.
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